terça-feira, 2 de dezembro de 2014

ENTREVISTA SOBRE A RUA DO CÉU


ENTREVISTANDO UMA MORADORA ANTIGA DA RUA DO CÉU


 Entrevista realizada em 30/11/2014

Como faz muito tempo que eu saí da Rua do Céu, estava com onze anos quando me mudei de lá, então para saber sobre sua evolução tive de recorrer a alguém que continuou morando por lá. Entrevistei uma pessoa moradora antiga que prefere não ser identificada pelo nome de batismo, prefere usar um apelido que ela acha muito carinhoso, nem é o dela. Então me referi a essa pessoa como "D.Miúda" para fazer as perguntas necessárias  sobre a Rua do Céu.
                  

Perguntei a D. Miúda se ela lembra como era a sua vida quando foi morar na Rua do Céu?

D.Miúda respondeu que mora na rua do Céu desde que se casou. Seus filhos todos nasceram na Rua do Céu. Disse que sua vida era tranquila até a chegada dos filhos. Quando os filhos já estavam adolescentes ela conseguiu um trabalho numa escola como sensora. Colocava ordem nos alunos que queriam sair da sala. Hoje é aposentada.


Perguntei se no tempo em que ela foi morar na Rua do Céu, se lembra da existência de "quilombos"?

D.Miúda respondeu que na Rua do Céu, não sabe dizer , mas no  Curuzu, na Liberdade tinha.

Perguntei se ela sabe dizer algo sobre a Estrada das Boiadas?

D.Miúda respondeu que tem parentes em Feira de Santana e sabe que essa estrada vem das feiras de gado lá de Feira de Santana onde tinham muitos currais e aqui ficou sabendo que essa estrada deu origem à Estrada da Liberdade. Sabe que a estrada das Boiadas é longa, afirmou dona Miúda.

Perguntei se existiam casas  ou terreiros de candomblé na Rua do Céu?

D.Miúda respondeu que existiam e parece que não era uma só não, pois amanhecia o dia ouvindo músicas de candomblé e batuque de atabaques e às vezes, vozes de pessoas cantando. Um dia, foi levada a uma casa dessas por uma vizinha. Era dia de sessão¹, o dia que dava passes² e tinha manifestação dos Santos. Conheceu e até gostou, mas nunca mais voltou lá.

Perguntei a dona Miúda se ela poderia descrever a Rua do Céu dos tempos atrás?

D.Miúda: disse que a rua do Céu era de terra, não tinha asfalto, tinha partes de capim, nas beiras dos passeios. Nesse capim as mulheres que lavavam, colocavam as roupas para quarar³ estiradas ali no chão de capim da rua, depois retiravam e enxaguavam e depois estendiam ali mesmo nos varais que elas mesmas vaziam para secar a roupa.  No meio da rua passava uma carreira de manilhas grandes que em algumas partes tinha buraco feito por meninos nos dias de São João soltando bombas que esburacavam mais. Hoje ela sabe que essas manilhas eram  de esgoto. Dona Miúda continuou dizendo que a rua do Céu foi mudando aos poucos. Passaram asfalto, mas antes eram muito esburacada. "Na minha porta tinha uma boca-de-lobo, um buracão, que um dia um menino , empinando arraia, andando de costas, caiu dentro desse buraco. Sorte dele que o buraco estava cheio de lixo, mas mesmo assim ele se arranhou todo." Dona  Miúda afirma que a rua do Céu era alegre porque tinha muitas crianças brincando na rua, apesar de alguns pais proibirem seus filhos de brincar na rua. Ela disse que nunca proibiu os filhos mas não deixava muito tempo, pois os filhos de dona Miúda estudavam.
Perguntei se ela se lembrava de algum evento ou acontecimento na Rua do Céu que tenha chamado à sua atenção?

D.Miúda: Ela respondeu que lembrava de um acidente com morte que ocorreu com um morador de lá e que tinha deixado viúva e onze filhos. Falou do Diário de Notícias que esteve lá na rua do Céu na época  desse acidente e da Mãe do Ano.

Obs: Não tive coragem de contar a dona Miúda que esse morador foi meu pai.

Perguntei se na Rua do Céu havia festividades que envolvessem os moradores?

D.Miúda respondeu que na rua ela não lembra a não ser no São João alguns moradores batiam de porta em porta querendo canjica e tomar licor. Ela falou de festas de danças dentro das casas quando se comemorava aniversários davam festas dançantes dentro de casa, se arrastavam os móveis para se ter espaço e ligavam a radiola e dançavam. Os convidados eram os vizinhos, parentes, tudo na paz. No Santo Antonio, dona Miúda disse que alguns moradores armavam altar num cantinho da sala e rezavam durante treze dias do mês de junho. Começava do dia 01 terminava no dia 13, dia do Santo Antonio. Dentre esses dias se escolhia um dia destinado para cada pessoa, ou seja, dia das crianças,dia das moças e rapazes, dia das senhoras e assim vai até completar a trezena. Dona Miúda rezou muito Santo Antonio e acha que ainda tem casas que rezam ainda hoje. Ela falou de comemorações da semana Santa que começam na sexta-feira com as comilanças  de azeite, no Sábado de Aleluia com a queima dos Judas à meia noite, com testamento incluindo o nome dos moradores que contribuíam com algum dinheiro para queima do Judas. No Domingo de Páscoa, não era como hoje que tem ovos de chocolate. Naquele tempo, o Domingo de Páscoa era comemorado com brincadeiras desde às dezesseis horas da tarde com corrida de saco, ovo na colher, pau-de-sebo, quebra-pote e outras brincadeiras que davam prêmios às crianças que venciam. Esse domingo terminava com o Programa de calouro, era uma brincadeira de cantar. Ganhava quem cantasse melhor e o prêmio era doado por algum dono de armazém, bar, venda, quem quisesse  participar, dava o prêmio e ganhava uma propaganda do seu comércio. Era assim que funcionava, segundo dona Miúda.

Perguntei como era o Carnaval para a população da Rua do Céu? Como as pessoas se divertiam nessa época de festa?

D.Miúda: respondeu que quem gostava do carnaval ia brincar lá na Liberdade ou na cidade. Ela levava os filhos para ver o carnaval e junto levava bancos e cadeiras de arma, botava lá na rua e sentavam para assistir ao carnaval, os fantasiados de caretas, pierrôs, mortalhas, fantasmas, caveiras e muitos outros mascarados. Os filhos ficavam assustados, mas gostavam de ir assistir. A intenção dos mascarados era essa mesmo, assustar. Tinha escola de samba, ela lembrou da escola Bafo da Onça e disse que com o aparecimento de trio elétrico o carnaval ficou  mais perigoso para ela ir assistir e há muito tempo ela deixou de assistir ao carnaval da Liberdade. Hoje só assiste pela TV. "Hoje meus filhos que vão pro carnaval". Falou dona Miúda.
  
Soube que a Rua do Céu não tem mais esse nome, perguntei para dona Miúda se ela sabe dizer por quê? E qual o nome atual da Rua do Céu?

D.Miúda: "Sei que mudou o nome, mas não sei dizer porquê. Continuo colocando meu endereço de sempre Rua do Céu. Gosto desse nome, mas o nome agora é Rua Professor Walson Lopes. Aqui tem uma Ladeira chamada Baixa do Céu, daqui a pouco vão mudar também."

Agradecendo a D. Miúda pela entrevista que em muitos momentos ela se emocionou ao lembrar do seu passado na Rua do Céu.
 

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1.Sessão: no Candomblé, reunião de pessoas para evocar os espíritos;
2. Passe:Movimentação das Vibrações Cósmicas, que circundam à tudo e à todos no Universo.
3. Quarar: Fazer branquear a roupa por exposição ao Sol.

REFERÊNCIA

ROCHA,Ruth. Minidicionário:amplamente ilustrado.Scipione,São Paulo,1996.
http://umbanda-candomble.comunidades.net/index.php?pagina